quinta-feira, 11 de abril de 2013

PINCELADAS DE UMA INTIMIDADE LIBERTA - ABRIL - IV

Avenida da Liberdade - 20H05 - 10/04
Desço a Avenida ou, talvez, a suba, quem sabe, depende do sentir que se subverte. Caminho preso à solidão da resistência nocturna. Olho para a Rua Barata Salgueiro e revejo-me na Cinemateca, sentado a escrever no 39 Degraus. Desprevenido, sou assaltado pela suavidade de umas saudades que nem a Saudade imagina. Um rosto, um corpo, a simplicidade de um cumprimento, a memória deste amante que nada redime. O Cinema é a mitologia da imaginação. Ela, os companheiros de cinematografias, conversas, diálogos, a presença tutelar da Senhora Dona Maria João Seixas que, casualmente, conheci, no Gabinete de Documentários da Radio Televisão Portuguesa, onde, então, trabalhava, vindo do Arquivo Audio Visual. Memórias que o prazer do olhar descortina para lá das cortinas que o ecrã desvenda. Saudades que a Saudade transpira e imagina. Uns lábios ternos que sorriem, um toque suave que se afaga, um abraço carinhoso que se deseja, uma vida que se esconde da vida que não se vive. Que amante é este que não se ama. Que tempo é este que não se esconde. Memórias de saudades que a Saudade sauda com a limpidez de um afecto natural.
Os passos são estes vestígios de tempo que as pedras da calçada acomodam como sinais que se transmitem aos pensamentos que encurtam distâncias, à distância que não se vê. E da distância que vai da noite ao dia, sobra esse canto que é murmúrio da Saudade que se adormece.
Jorge Manuel Brasil Mesquita
Manuscrito de 11 de Abril de 2013, escrito na Biblioteca Nacional de Lisboa, entre as 15H25 e as 16H10.
Postado, no blogue, em 11 de Abril de 2013, na Biblioteca Nacional de Lisboa, entre as 16H15 e as 16H33.

quarta-feira, 10 de abril de 2013

PINCELADAS DE UMA INTIMIDADE LIBERTA - ABRIL - III

Lisboa - 09/04
O Sol anda tímido. A chuva bebe-nos o prazer do sangue amante. A Primavera que nos encanta é o fervor do desencanto. O corpo dissolve-se no pranto de um sorriso molhado. Pergunto às palavras que não escrevo por onde andam as metáforas desta opacidade que deslumbra a realidade que sou incapaz de vestir. Sou um sinónimo de sobrevivência na sístole diária da fragilidade humana. Recuso a frigidez molecular, afinando o diapasão de um concerto sem ouvidos, sem lábios que lhe definam os pensamentos. Neste dia, sem diagnóstico, o paladar do gosto que me prova, é um caudal de labirintos onde perco o ritmo da lucidez. No entanto sou lúcido para me descobrir na vigilância do inconformismo tranquilo. Durmo aos solavancos, sonho sonhos de me sonhar vivo e transparente nas asas de uma semente matinal. Sou corpo são em mente sã.
Jorge Manuel Brasil Mesquita
Manuscrito de 10 de Abril de 2013, escrito na Biblioteca Nacional de Lisboa, entre as 14H20 e as 14H52.
Postado, no blogue, em 10 de Abril de 2013, na Biblioteca Nacional de Lisboa, entre as 15H43 e as 15H54.

terça-feira, 9 de abril de 2013

PINCELADAS DE UMA INTIMIDADE LIBERTA - ABRIL - II

Bar Terraço do CCB - 06/04
Sento-me a almoçar o arroz de pato que escolhi.
O meu olhar navega sobre o rio Tejo e goteja na outra margem de certa maneira. Viajo como se viajasse por dentro de mim, ouvindo improvisos que a consciência entorna sobre as fugas ilusórias que o tempo espalha como cinzas de uma existância frugal. O corpo alimenta-se do olhar e o olhar fortifica-se com o ciclo das fragilidades que se perpetuam para além de todos os factos existenciais.
Acabo o almoço. O Senhor António Pinho Vargas, compositor de música contemporânea, senta-se a meu lado. Cumprimentamo-nos. Espero que a composição lhe saia fértil e que não tenha posto de lado, o Jazz.
O tempo que me dilui é uma subversão insubmissa no fulgor da sua transparência. Cansei-me de não ser. Levanto-me e parto como sempre parto. Partido por dentro, viajante por fora do alcance que não se alcança.
Ao fim do dia, adormeço, adormecendo tudo o que tempo cantou.

Bar Terraço do CCB - 07/04
Domingo. O sol mal se vê e, eu, mal me distingo na apoteose do nada.
Leio notícias. Respiro sobre elas. A fibra de quem governa é nenhuma. O Governo é displicente, ignorando o sentido de Estado. Parece um grupo dramático de teatro, representando a comédia dos seus próprios actos. Confrangedor.
Este Domingo aborrece-me. Sou carteiro de mim mesmo. O telegrama é um sonho que se despede. Todos os sonhos são assim. A Morte é a Vida que não se sonha.
Saio, saindo de mim mesmo e regresso, alheio, ao encontro de todos os meus desencontros.
Jorge Manuel Brasil Mesquita
Manuscrito de 09 de Abril de 2013, escrito na Biblioteca Nacional de Lisboa, entre as 14H55 e as 15H45.
Postado, no blogue, em 09 de Abril de 2013, na Biblioteca Nacional de Lisboa, entre as 16H33 e as 16H54.

sexta-feira, 5 de abril de 2013

PINCELADAS DE UMA INTIMIDADE LIBERTA - ABRIL - I

Quinta-feira, 04/04/2013.
Estação de Paço de Arcos. 11H45. Entro no comboio, sento-me em um banco com a janela virada para o Rio Tejo. Por momentos, despeço-me da vida que tenho, instalando-me em um calorífico qualquer, e, quentinho como as castanhas, sinto-me junto a um corpo que não vejo. Sinto-lhe o gosto da pele perfumada e faço da vida, não um quadro de sobrevivência, mas uma sensação de alegria breve que me recolhe a uma sala de bem estar. A vida pode ser um tinteiro sem tinta, mas a impressora imprime, sem cor, o sentimento hostil do dia que nasceu noite.
Chego à Biblioteca Nacional de Lisboa, à hora do almoço. Moelas, batatas fritas, rodelas de laranja e de kiwi. Depois, o café. Tudo, com a gentileza habitual de quem nos atende, ajuda a arrefecer-me a tristeza da noite e aquece-me o prazer de respirar as palavras que se soltam em folhados de escrita. Lendo a viagem poética de Rimbaud, compreendo a estética cenográfica do poeta Jim Morrison. A memória escuta, os olhos descobrem o impacto do seu tempêro verbal. Escrevo um poema, um texto em prosa, e, sirvo-os, como sobremesa, nos meus blogues. O tempo envelhece-me, um pouco mais, e o entardecer é uma valsa de leituras breves no El Corte Inglês.
As 18H42, rumo à Dolce Vita onde janto e espreito algumas notícias, na Televisão. Nada relevante, na irrelevância de uma demissão anunciada. O país não é uma imobilidade, é uma razão de espera.
Pelas 19H44, inicío, a pé, o regresso a casa. A noite é um anúncio de vida e, eu, sou uma vida de anúncios que não se anunciam. O comboio é uma sombra de movimentos humanos que se recostam no encosto da indolência e da sonolência vocabular que se enrola, confortável, nos travesseiros da noite que apagam toda a brevidade da sua consonância diária. Adormeço, sonho de sonhos, que a memória arquiva no disco rígido da sua rigidez efémera.  
Jorge Manuel Brasil Mesquita
Manuscrito de 05 de Abril de 2013, escrito na Biblioteca Nacional de Lisboa, entre as 13H10 e as 13H56.
Postado, no blogue, em 05 de Abril de 2013, na Biblioteca Nacional de Lisboa, entre as 14H08 e as 14h35